segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Feliz (?) Natal

Estou feliz com o início de mais um ano. Já o Natal, bem, esse não foi lá muito feliz...


************************************************************************************************************

"Tem dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu..."

 Você esperava há meses pelo Natal. Por alguma razão, agora nebulosa, o Natal anterior foi memorável, tão bom, tão divertido e tão feliz como jamais fora. Na expectativa de reviver a mesma sensação prazerosa, você, numa alegria quase infantil, esperava ansiosamente pela chegada do dia 25 de dezembro.
A sonhada semana de folga chegou e, com ela, a viagem de regresso à terra natal. Você foi sozinha, graças às resoluções de última hora daquele que você sempre gostou de chamar de seu, mas que hoje se esforça para pertencer mais a si mesmo (de uma forma nada indiferente e, aliás, bem dolorosa para você - mas isso já é outra história). A inevitável dorzinha aguda e silenciosa da separação foi aos poucos sendo substituída pelo entusiasmo da chegada, conforme o avião aterrissava. Home, sweet home!

Os primeiros dias foram tranquilos. Numa visita sempre breve demais, você reencontrou aquela amiga cuja alma é quase um espelho da sua, e riu como nunca.  Totalmente por acaso, você topou no meio da rua com aquele amigo que é quase um irmão e cuja presença sempre evoca as mais divertidas lembranças. Como nos velhos tempos, você jogou conversa fora por uma tarde inteira com aquela amiga que era quase um pedaço seu na época em que ambas moraram sozinhas. Você foi abraçada e beijada à exaustão pelos familiares como se não se vissem há mais de dez anos (muito embora você tenha estado por essas bandas há menos de um mês). 

Você estava feliz, feliz. 

 Mas eis que de repente, não mais que de repente, a névoa de felicidade começa a se dissipar bem diante dos seus olhos.  

Você subitamente se vê cansada de ter que entreter a família dia e noite, sempre sorrindo, sempre bem arrumada, sempre bem humorada, sempre interessada e interessante, sempre rindo de todas as piadas (por piores que sejam), sempre respondendo a todas as perguntas (por piores que sejam também). Você se sente sufocada pela mãe carente de afeto, que demanda aprovação constante, que tenta prender sua atenção em histórias aborrecidamente intermináveis sobre pessoas que você sequer conhece, que, numa cena surreal, aparece à meia noite no seu quarto abraçada ao travesseiro e infantilmente se queixa de que você está passando "muito tempo no quarto mexendo nesse celular" (oi???), quando deveria estar dando atenção a ela. 

Você sente raiva do pai, que não poupa comentários depreciativos à sua mãe nem mesmo no Natal (e seja na presença de quem for), que se comporta como se estivesse no mundo para ser servido, que não sabe ouvir, que só sabe abrir a boca para criticar, que se sente dono da verdade, que volta e meia crava mais um prego em brasa na auto estima das filhas, eternamente frágil e instável graças a ele próprio.
Você se ressente do distanciamento da irmã, mesmo sabendo que ela mesma está apenas tentando lidar, à sua maneira, com essa loucura chamada dinâmica familiar. 
Você lamenta que a priminha está crescendo tão rápido e tão longe de você, e, ao contrário do Natal passado, mal dá pela sua presença e sequer a convida para brincar. Você se sente um peixe fora d'água em meio às primas, todas grávidas, todas mães de família, todas casadas de véu e grinalda como manda o figurino, todas achando sempre muito estranho você ter ido morar em outra cidade, você ter ido morar junto sem se casar, você ter votado no atual governo, você estar passando o Natal sem seu companheiro, você não querer ter filhos por enquanto. 


Você se sente triste ao ver a irmã passar a tarde toda do dia de Natal num boteco qualquer, enchendo a cara fora de casa para não ter que assistir ao pai desferindo o enésimo ressentimento contra a mãe.  Você fica mais triste ainda ao pensar que ela está certa, e que só bebendo mesmo para aguentar o Natal. Você vê as fotos das famílias alheias no Facebook e passa a duvidar de todos aqueles sorrisos. Sem que ninguém diga nada, você subitamente desconfia que, no fundo, todas as famílias são iguais, todos os natais são iguais, todo mundo bebe pra conseguir se aturar e para afogar a mágoa por não conseguir ter um Natal feliz de verdade, e depois bebe de novo pra esquecer o peso na consciência por ter bebido tanto e por motivos tão pouco nobres.

Você faz as contas e percebe que ainda faltam dois dias para voltar para casa. Você se sente aliviada por um lado, mas culpada justamente por sentir alívio. Mais do que tudo, você se sente profundamente triste por não ter tido o Natal que imaginava, ao mesmo tempo em que se sente uma idiota por ter idealizado tanto. Você sente o gosto amargo da dor mais amarga de todas, a dor da ilusão desfeita. Sentindo-se derrotada, você levanta da cama, vai até a cozinha, enche um copo com o que sobrou do espumante e ataca dois pedaços do cheesecake natalino. Na volta para o quarto, apanha o famigerado celular para poder encher o Blog de idéias desconexas e esvaziar o coração de sentimentos antes de dormir.  

Só mesmo bebendo para aguentar o Natal, só mesmo escrevendo para lidar com isso tudo. E agora só faltam dois dias.