quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Perversão e preconceito

Recentemente, tive a oportunidade de ler dois textos a respeito do "casamento gay" e da adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Ambos os artigos, de caráter nitidamente reacionário, podem ser encontrados nos seguintes links: 



Que a homossexualidade não é novidade por sobre esta terra, todo mundo sabe - ou, então, finge não saber. Porém, a discussão quanto aos direitos civis para aqueles que se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo ou que desbordam do formato convencional de gênero macho-e-fêmea fervilha na pauta do dia com ares de uma nova revolução sexual.

Não me atrevo a tentar compreender que fatores influenciam as predileções sexuais de um ser humano. Não possuo qualquer base, teórica ou empírica, para ousar desvendar tal mistério. O que eu gostaria de entender, isso sim, é a discriminação contra aquele que é diferente do padrão - estreitando o filtro deste texto, contra aqueles que, no calor de sua intimidade, escolhem fazer algo supostamente contrário ao tradicional.

Parafraseando o desfecho do muitíssimo bem escrito texto abaixo, o ser humano é dotado de diversas facetas, mas, por algum motivo, decidimos privilegiar apenas aquilo que se faz entre quatro paredes. As preferências afetivas e carnais são a régua para medir o caráter, o conteúdo, a integridade de determinada pessoa - notadamente quando se trata de uma personalidade pública. E simplesmente descartar como lixo todos os demais aspectos que compõem este ser humano, alguns verdadeiramente nobres, não deixa de ser uma atitude extremamente injusta e até cruel.


No entanto, a discriminação vai muito além do simples tom maldoso de revistas de fofoca, cochichos curiosos de conhecidos e olhares enviesados na rua. O verdadeiro preconceito jaz em um nível muito mais profundo, tão arraigado que, por vezes, é mesmo difícil distingui-lo de uma mera opinião pessoal, expressada casualmente em uma conversa de bar ou em comentários postados numa rede social qualquer.

O autor do primeiro texto afirma não ser homofóbico, já que possui amigos no universo LGBT. Noutra medida, condena o casamento gay, pois se trata de uma instituição religiosa que não pode ser corrompida. Como honrado pai de família, repudia, ainda, a manifestação pública de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo; afinal de contas, não se pode "confundir liberdade com libertinagem".

A confusão que aqui enxergo é a do casamento com o dogma cristão do matrimônio - um óbvio equívoco, muitas vezes repetido por aí. O casamento é um instituto jurídico de natureza civil, e há muitos casais que se unem somente em cartório, sem jamais pisar no altar de uma igreja. Estas pessoas seriam menos "casadas" do que aquelas que tiveram sua união abençoada por um ministro religioso? Este pode até ser o pensamento de alguns, mas não é o que diz nossa Constituição Federal. O valor jurídico conferido a ambos os casos é idêntico.

(Peço licença para acrescentar que o rótulo casamento "gay" me incomoda muito...a segregação já começa pelo nome que se atribui ao objeto de intelecção. Quando é que - e aqui incluo os próprios gays que militam a favor da causa! - vamos começar a chamar de "casamento", pura e simplesmente? Ou será que alguém ainda fala hoje em "casamento multirracial", "casamento entre estrangeiros", etc.?)

Ademais, o argumento recorrente de que crianças merecem ser poupadas de conviver com a noção da afetividade entre pessoas do mesmo sexo me parece ridículo. Se for para proteger a inocência dos pequenos, então acabemos com a novela das oito, com o funk proibidão, com as moças que dançam em trajes exíguos na tv, com os sutiãs rendados e sapatos de salto para meninas de sete anos e com a venda clandestina de revistas de mulher pelada a meninos de dez. De acordo?

Afinal, como bem disse o brilhante Louis CK no vídeo a seguir, gays devem ser proibidos de se casar só porque você não se dispõe a ter uma conversa esclarecedora com seu próprio filho?


Aproveitando o gancho de "como-falar-para-seu-filho-que-existem-pessoas-gays-no-mundo", o segundo texto indicado neste post afirma que o reconhecimento judicial da possibilidade de adoção por pessoas do mesmo sexo é perverso. Seria a chancela do Estado para criar mais um motivo de "bullying" nas escolas. Agora, além de sofrer por ser gordinho, usar óculos, ter pele escura ou nome extravagante, a pobre criança seria crucificada socialmente por - horror dos horrores! - ter pais/mães do mesmo sexo.

Ouso discordar. Perverso é o preconceito disfarçado de defesa da moral e dos bons costumes. Tem gente que morre de rir com o personagem gay da novela, se diverte ouvindo as histórias daquela bissinha escandalosa do salão de beleza e diz não se importar com o fato do colega de trabalho ser homossexual. Mas, na hora em que essas mesmíssimas pessoas reivindicam direitos civis iguais aos de todos, como casar e adotar filhos , eis que surgem – que surpresa! –  hordas e hordas de defensores ferrenhos dos valores tradicionais da sociedade. 

Lembro-me agora de uma amiga que certa vez me confidenciou, chocada, ter recebido um e-mail com fotos de um casal de homens em pleno ato sexual. A amiga em questão era maior, vacinada e já havia protagonizado, ela própria, cenas parecidas nos lençóis. Por que o espanto, então? Transcrevo aqui as palavras dela, tão fielmente quanto minha memória me permite: "Você acredita que eles transam em TODAS as posições, que nem a gente? Não é só de quatro, não! Eles fazem várias, várias! Que horror! Como essa gente pode ser tão pervertida?"

Oi? 

Tudo bem ser gay, contanto que seja estereotipado, caricato e aceite o seu lugar como outsider na sociedade? Não tem problema ser homossexual, desde que se limite ao rótulo que lhe cabe e não invente de querer ser igual a mim - seja transando, casando ou criando filhos?

Somos mesmo uma raça perversa.



segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os amigos e a vida adulta



Como é difícil ter amigos na idade adulta.

Quando somos crianças, todo mundo é amigo: a prima dez anos mais velha, a coleguinha do jardim de infância, o filho da vizinha que tem quase a sua idade, e até mesmo alguma criança aleatória, que resolve brincar com você em um playground aleatório de uma churrascaria aleatória, enquanto os pais (seus e dela) almoçam, num domingo aleatório.

No colégio, amiga é aquela que senta na carteira ao lado, divide com você o lanche no recreio, te ensina a pular elástico e sempre te escolhe pro time dela na aula de Educação Física. Conforme vocês crescem, passam a trocar um número absurdo de bilhetes, cartinhas e recados na agenda, e ainda têm um estoque inesgotável de segredos e risadinhas a compartilhar em intermináveis telefonemas, para total desespero dos pais (seus e dela).

Na faculdade, as amizades surgem nos trotes e nos churrascos, nas festas de aniversário, nas aulas de disciplina optativa, na porta do xerox e até no ponto de ônibus. Os amigos são os colegas de classe e de estágio, os veteranos, os calouros, as namoradas dos amigos, os amigos e amigas dos amigos. Na verdade, é tão fácil fazer amigos quanto inimigos nessa época. Aliás, o número de inimizades mortais tende a disparar em proporção direta à proximidade da festa de formatura, quando tudo (eu disse TUDO) vira motivo para discussões verborrágicas e ódio desbragado. Mas tudo bem. O que importa mesmo é que, no baile de formatura, todo mundo vai se abraçar e se beijar, chorar, pular, dançar e encher a cara até as sete da manhã.

E na vida adulta? Aliás, quando é que ela começa?

Para mim, ela começou pouco depois de colar grau, quando assumi meu primeiro emprego em outra cidade e lá fui morar sozinha pela primeira vez, sem pai nem mãe nem vizinho.

E foi aí que começou também o drama de fazer novos amigos. No que me pareceu um piscar de olhos, o delicado liame que me unia ao rebanho se rompeu. De uma hora para outra, simplesmente não havia mais qualquer semelhança entre mim e os outros ao meu redor.

De fato, é difícil achar pessoas parecidas com você no mundo adulto. Há aqueles que já estão em uma fase completamente diferente da vida, casados há vinte anos e com filhos adolescentes. Há aqueles que estão esperando o primeiro bebê e construindo um puxado nos fundos da casa da sogra. Há as mulheres de quarenta e poucos/cinqüenta e alguns que se reúnem toda quarta à noite para falar mal do maridão entre um chopinho e outro. Há os divorciados contumazes que só querem pegar geral, com especial predileção por ninfetinhas em idade universitária. Há aquelas que namoram há inacreditáveis onze anos e sonham ardorosamente com anel de noivado, vestido de noiva e festa de casamento. Há mães solteiras. Há avós de primeira viagem que vêem no futuro neto o Messias reencarnado. Há os evangélicos que tentam te converter a todo custo. Há os que têm idade para ser seu pai ou sua mãe, e se sentem no direito de assumir este papel e dizer como você deve levar a vida. Há os que curtem um vida loca way of life regado a álcool, drogas semi lícitas e sexo volátil. E há você.

E as antigas amizades?

É incrível como chega um determinado turning point em que os antigos laços são postos à prova. Não sei explicar por que, nem exatamente como isso acontece, mas o que sinto é que as pessoas parecem crescer em direções opostas. E de repente, não mais que de repente, você percebe que a sua melhor amiga da vida toda se tornou fútil, superficial e vazia, e não tem mais nada a ver contigo. Que o seu melhor amigo ainda mora com a mãe e resolveu fazer uma segunda faculdade, e vocês não sabem mais do que conversar quando se vêem. Que os seus colegas de turma nem lembram direito quem era você, e erram seu nome quando te encontram por acaso na rua.

E não é só. Quando você está solteira, parece que todas as amigas estão namorando e só saem de casa com o namorado a tiracolo, de preferência, para fazer programas de casalzinho. Quando é você que está namorando, todas as amigas estão solteiras e só querem saber de piriguetear na night - não sem antes te alfinetar de graça, com um indisfarçado quê de inveja.

E as cobranças são muitas. Tem sempre algum amigo cobrando que você sumiu, que você não ligou mais, que você não curtiu a foto nova dele no Facebook, ou sei lá que porra. Como se ainda estivéssemos todos no colégio ou na faculdade e não tivéssemos nenhuma outra obrigação na vida, além de honrar a todo momento nossos laços de amizade.

Sinceramente?

Se é difícil fazer amigos novos na idade adulta, com gente tão diferente de nós, mais difícil ainda é cultivar laços de amizade com pessoas que não têm mais nada em comum conosco, além de um passado feliz e distante.

Amizade não é só deixar recadinhos fofos na rede social da moda dizendo "adoro vc" e "saudades". Isso qualquer macaco bem treinado consegue aprender a fazer. Amizade é respeitar a individualidade do outro, as escolhas do outro, o caminho que o outro resolveu trilhar. É se alegrar de verdade com a alegria do outro, mesmo que você esteja na mais profunda merda. É saber que o outro tem a vida dele, e nem sempre vai poder estar disponível para você - assim como você nem sempre estará disponível para ele. E, mesmo assim, saber que a amizade continua, e que os convites para sair não deixarão de ser feitos só por uma birra infantil e desnecessária.

"Eu queria ter mais amigos, mas as pessoas são tão idiotas." Pois é, Calvin, faço minhas as suas palavras. As pessoas são realmente muito idiotas.

E, provavelmente, me acham bem idiota também.



(post escrito e reescrito ao som de Led Zeppelin - When The Levee Breaks, em um interminável repeat. An orgasm for my ears).